sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A bordo de uma paixão, você pode voar alto ou se espatifar. Sem experimentá-la, você jamais vai saber. E ser um homem de verdade

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“Havia uma perturbação no meu coração, uma voz que falava de lá e dizia eu quero, eu quero, eu quero! Quando eu tentava suprimi-la, mais forte ela ficava”
Saul Below (1925-2005)
Eu tinha acabado de chegar de uma temporada de dois meses pelo Caribe. Magro, bronzeado e cheio de histórias para contar. Vesti uma camiseta (para exibir meus músculos recém-fortalecidos) e fui à festa mais badalada da noite. Era o dia do caçador.
Na sala principal da festa meus olhos colocaram Nanda no alvo. Ela não era o tipo de mulher que me atraía fisicamente. Mas tinha inteligência no sorriso. Dançava com imaginação. Aproximei-me de Nanda e dançamos o resto da noite. Grudamos um no outro. Não faltou assunto. Ofereci carona até a casa dela. Nanda me convidou para entrar.
Seu quarto tinha doses letais de magia feminina. Véus, livros instigantes sobre a mesa, velas por todos os cantos. Era a primeira vez que ia para a cama com uma mulher mais velha do que eu. Depois da transa, grudamos num abraço nu sob os cobertores. Conversamos percorrendo nossos respectivos territórios pessoais até que o sol apareceu. Eu não tinha acabado uma transa de fim de festa. Aquilo era paixão em estado puro. Depois de um especialmente longo beijo, a campainha tocou. “Deve ser meu marido”, disse Nanda com um sorriso.
“Só paixões, grandes paixões, podem elevar a alma a grandes coisas”
Denis Diderot (1713-1784)
Paixão” vem do verbo grego paskho. E significa, literalmente, “sofrer”. A noite em que Jesus Cristo foi martirizado e crucificado é chamada Sexta Feira da Paixão.
Paixão era o oposto do raciocínio e do autocontrole. Tradicionalmente considerada uma fraqueza humana, que podia destruir vidas como em Romeu e Julieta e tantas óperas. O conceito só começou a ser aceito na civilização ocidental a partir do século 12. Era espécie de inimiga do verdadeiro amor, concretizado no casamento. Foi só no início do século 19, com o Romantismo, que a paixão passou a ser considerada uma situação nobre, em contraposição à frieza racionalista do Iluminismo.
A paixão é um estado superior de desejo. Provoca reações químicas e perda de apetite. Faz com que a gente projete uma vida inteira de felicidade pelo fogo de uma noite de descoberta. A realidade é substituída por um estado de obsessão. O caçador da noite vira um babão que logo está pensando em ter filhos com a presa dele.
Nem toda paixão é ligada a relacionamento. Nos apaixonamos por time de futebol, por uma causa, um hobby. Mas nada disso costuma se comparar ao salto sem rede de uma incendiária paixão por uma mulher.
Alguém que mata por ciúme, comete um “crime de paixão”. Na filosofia, é usada para se referir a estados emocionais às vezes perigosos como a raiva, a ganância,  a cobiça, a luxúria. É o que nos move quando a razão termina.
Segundo a Wikipedia, “a paixão é uma patologia amorosa, um superlativo fantasioso da realidade sobre o outro, tendo em vista que o indivíduo apaixonado se funde no outro, ou seja, perde a sua individualidade, que só é resgatada quando na presença do outro”.
A psicóloga italiana Donatella Marazziti estabeleceu o mecanismo biológico da paixão. Segundo ela, a paixão começa em duas bolinhas nervosas cinzentas de dois centímetros de diâmetro cada uma no interior de nossas têmporas. É a “amídala cerebelal”, uma espécie de usina de instintos, ligada ao sexo e à agressividade.
Essas bolinhas produzem “tempestades” de impulsos agressivos. Para neutralizar essa fúria, se apresenta a serotonina. Quanto menor o índice de serotonina, mais ficamos próximos de um transtorno obsessivo-compulsivo, o famoso TOC. Que inclui a paixão, quando a gente fica obcecado por uma mulher. O efeito é semelhante ao provocado pela cocaína. É a mesma coisa com o pó e com a mulher por quem nos apaixonamos: queremos mais e mais e mais.
A bióloga brasileira Ana Luisa Miranda Vilela aponta outro elemento químico produzido pelo nosso corpo: a feniletilamina. Pessoas apaixonadas estão cheias de feniletilamina correndo nas veias. É uma arma biológica: pessoas se apaixonam para se procriar e perpetuar a espécie.
Existe a química. E existe o tempo. A professora Cindy Hazan, da Universidade Cornell (EUA), pesquisou 5 mil pessoas em 37 culturas diferentes. Concluiu que a paixão dura de 18 a 30 meses. Média de dois anos. A doutora Ana Luisa cita ainda a dopamina e a ocitocina como “drogas” que nos deixam apaixonados. Até que o corpo adquire resistência. E a paixão reflui junto com o fim desse coquetel químico.
A paixão é movida pelos sentidos: sentimos a pele dela, vemos a beleza, saboreamos seu beijo, gravamos seu cheiro. Mas a evolução humana deu cada vez mais espaço a manifestações mais sutis e subjetivas da atração.  A convergência de pensamentos, a construção da confiança mútua, a sintonia da vibração individual. É aí que a paixão vira amor de verdade.

QUANDO A PAIXÃO SAI DOS TRILHOS,
O psiquiatra e consultor da MH Carlos Eduardo Carrion, de Porto Alegre, faz um raio x do cara apaixonado. Reflita e se dê bem
Qual a diferença entre a paixão e o desejo?
Paixão e desejo são irmãos gêmeos não univitelinos. A origem é a mesma: satisfazer necessidades afetivas, sexuais etc. No desejo você já tem essa necessidade pronta e basta encaminhar para uma pessoa, ou um objetivo, ou o que você quiser. Numa paixão você uma tem uma mulher, ou um hobby etc. E imagina nessa mulher, ou nesse hobby, um objetivo de vida. Enxerga no objeto de sua paixão tudo o que vai satisfazê-lo plenamente. Mesmo que isso não corresponda à verdade. O modo de projeção no desejo é menos delirante que na paixão. Na paixão, você age de maneira projetiva. Primeiro você projeta na mulher suas necessidades psicológicas e afetivas. Depois faz a racionalização. Isso vale para um caso amoroso ou para uma causa qualquer.
Tem sentido falar em “louco de paixão”?
A paixão é um estado de loucura normal, “convivível”. O passional mata sem matar. Ele retira do objeto de sua paixão as características reais e as substitui por suas projeções. Mas isso tem um limite de ação não muito preciso. Quem passa desse limite comete o chamado crime passional. E vai parar no hospital ou na delegacia.
Quando a paixão passa a ser loucura?
A pessoa começa a caminhar fora da realidade e ter fantasias. Às vezes perigosas. O caso clássico está no filme Taxi Driver.
E aquele que não consegue se apaixonar?
Quem não tem paixão nenhuma é um doente para si próprio. O medo de um descontrole emocional faz com que ele se reprima tanto que passa a sofrer de fenômenos conversivos (antes chamados de psicossomáticos): dores de cabeça, hipertensão etc. Além de ter uma pobreza vivencial muito grande.
“Um homem que não passou pelo inferno de suas paixões nunca as superou”
Carl Jung (1875 – 1961)
Não era o marido de Nanda quem tocava a campainha naquela manhã de domingo. Era sua filha de 7 anos que viu aquele estranho na cama da mãe e o rejeitou imediatamente. Aquela menina nunca mais falaria comigo. Só me olharia rapidamente sem um olhar fino e cortante como laser antes de partir sem se despedir. Eu tinha arranjado uma inimiga. E não foi nada confortável conviver com a raiva contida de uma criança.
O marido, apelidado de Urso, conheci semanas depois. Quando encontrei Nanda, ela e Urso estavam separados havia pouco tempo, e ainda rolava a possibilidade de uma reconciliação. Essa era esperança do Urso. E, mais ainda, o desejo da filha. Eu tinha aparecido do nada para estragar a possibilidade de reunião de uma família.
Urso justificava o apelido. Era grande e barbudo como um lenhador canadense. Nosso primeiro encontro acidental foi incômodo. O olhar dele tinha ressentimento. Mas Urso se comportou como um cavalheiro. Jamais me ameaçou, nunca me agrediu ou mesmo tocou no assunto.
Eu estava separando uma família. Não sentia nenhum prazer com isso, mas também nenhum remorso. Afinal… estava apaixonado! Não tinha ainda completado meus 30 anos. Já tinha tido minha cota de garotas recém-entradas na maioridade. Foi bom, muito bom. Mas eu precisava da conversa, da intimidade, daquele sorriso de Karen Allen numa cama macia cercada de velas. Precisava de seu senso de humor. Precisava amar aquela mulher até que o sol nascesse na manhã de outro novo domingo.
“A felicidade de um homem não consiste na ausência, mas no controle de suas paixões”
Alfred Lord Tennyson (1809 – 1892)
Uma vida sem paixão não é exatamente uma vida. Uma existência sem risco, sem impulsos, sem prazeres acontece para muitos caras. Eles surgem e somem sem deixar traços. Alguns ficam ricos, outros criam famílias sólidas. Mas não crescem. Nem emocionalmente nem espiritualmente. Não saltam, com medo do tombo. Não saem de casa com medo da chuva. Casam-se com a colega sem graça por medo de levar um “não” da mais bonita.
A paixão é, sim, o caminho para a loucura, para o suicídio, para o ridículo. Mas é também o atalho para a glória, para o sucesso e para a felicidade. Viver, afinal, é perigoso.
A paixão nos leva a colecionar todos os discos de um guitarrista, a paixão nos leva a cruzar a cidade debaixo de chuva em direção a um estádio de futebol lotado. A paixão nos faz visitar os cinco continentes, nos transforma num grande cientista ou num comprador compulsivo de relógios de pulso.
Você pode ter pelo resto da vida a união tediosa com a esposa que apenas tolera e que lhe dá filhos. Mas, se você se arriscar, pode ter a mulher com quem sonhou. A vida é uma mesa de pôquer. Só leva o grande prêmio quem aposta nele.
O tempo foi passando. Mulheres ainda entravam e saíam da minha cama ao final de festas. Era divertido. Mas minha parte “apaixonada” permanecia com Nanda. A incerteza de um próximo encontro criava um clima de amantes incertos e dedicados. Quando passava um tempo mais longo longe dela, escrevia uma carta. Sim, Nanda era do tempo da carta. E escrever apaixonado não é como digitar um e-mail nervoso. Planejava mais cada palavra. Não se deleta tinta no papel.
No outro sábado, mais uma festa começava em casa. O telefone tocou. Era Nanda, mais alegre que o habitual. “Rompi de vez com o Urso. Agora nosso caminho está aberto!”
Soltei algo como um “Putz, que legal…”. E sumi da vida de Nanda como se corresse de um tsunami. Talvez tivesse passado o ano e meio do ciclo de uma paixão. Talvez eu tenha sido só covarde, irresponsável e imaturo. Mas não havia mais feniletilamina nas minhas veias.
Matéria publicada na Revista Men’s Health de junho de 2012.

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