sexta-feira, 4 de abril de 2014

Quando a roupa curta é desculpa para abuso, o que resta?

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Meninas, quero contar uma história.
Mas antes da história, quero fazer uma pergunta. E a pergunta é: o que dizer, hein meninas?
O que dizer a vocês, e ao espelho, e ao gato e ao papagaio, numa semana, nuns dias como estes?
Vocês viram, não viram?
Vocês têm acompanhado, não tem?
O mundo, meninas, o mundo não vem dando refresco.
O mundo tá resfriado.
E tá complicado.
Tem essa coisa toda na Crimeia, e tem essa coisa na Síria. Tem a Claudia arrastada pelas ruas, e que triste a Claudia arrastada pelas ruas. Tem um avião que sumiu e um avião que reapareceu, aos pedaços, longe pra dedéu, mas, até agora, quem é que sabe? Teve um marco civil, e vejo que o marco civil foi bom, um avanço; mas teve também uma marcha da família pedindo a volta daquilo que não deveria ter sido, e isso me parece uma marcha ré. Dois passos pra trás, um pra frente, não é assim? Tem o fim do Big Brother e eu não sei o que isso quer dizer. Mas tem as favelas em chamas e favelas sob quenturas sociais. Tem a Copa chegando, tem gente indo, tem um povo reclamando, e tem cozinha sem água aqui, mas todo um excesso pluvial lá no norte.
Ah, meninas, e se fosse só isso, já seria tanto…
Mas teve muito mais.
Agora, o que me botou na lona, com vontade de uma soneca eterna e sem ronco, foi uma surpresa.
Vocês conhecem o Ipea, não conhecem, meninas? Pois é aquele bom instituto de pesquisas avançadas (na verdade, é de Pesquisas Econômicas Aplicadas, mas eu prefiro do meu jeito). Pois então, tendo como missão pesquisas avançadas, o Ipea foi lá (foi aí?) avançar e pesquisar sobre o que pensa o brasileiro. E tendo pesquisado, o Ipea descobriu que o Brasil calado é um poeta. Que o Brasil é um outro. Ou pior, que o Brasil é um Brasil que eu não conheço. Me senti, num susto, estrangeiro em meu próprio bairro. De repente, meninas, mesmo a minha ida mais frugal à padaria pareceu exigir vistos, vacinas e agasalhos.
Ah, minhas doçuras: o que o Ipea nos disse é um abuso, um ataque, uma violação. O brasil me violou esta semana, meninas. Porque eu vi o retrato batido pelo Ipea, e o retrato é uma coisa formidável de tão triste e borrada. É a foto de um Brasil estranho, um Brasil triste, um Brasil surdo, um Brasil baboso, um Brasil tão pouco familiar, um Brasil tão bisonho que, nossa…
Eu me perdi, meninas.
E não sei onde estou.

UMA PESQUISA CHEIA DE CONFUSÃO
Meninas, o Ipea encarou o abismo da alma brasileira e a alma brasileira devolveu ao Ipea o seguinte: segundo 65% dos nossos concidadãos (gente igualzinha a você, homens e mulheres, dois braços, pernas, nariz, a coisa toda), “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.


Vocês percebem? Atacadas. Sexualmente atacadas. Sensualmente atacadas. Eu sei, e eu desconfiava, eu imaginava mesmo que o mundo é um terreno em que pisam e sambam e valseiam uma infinidade de bocós. Mas tanto assim?
Pois a coisa piora.
Não bastasse essa primeira pista, o Ipea cutucou um pouco mais e, cutucando, saiu mais picada. Diz a maioria dos brasileiros que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
Ah, meninas. Ah, meninas.
A esta altura, o que dizer?
O que fazer?
Enfim, estrangeiríssimo no meu próprio RG, fiquei com um sono brutal. Tentei de todo jeito ver o que esse Brasil vê, por que as coisas são assim, como as coisas poderiam não ser assim.
Mas o mundo não sai da frente.
O mundo é desse jeito.
Gente boa, gente ruim, gente boa sendo ruim, gente ruim sendo boa.
Tudo complicado demais.
Tive, então e de repente, a vontade de ir. De buscar a ilha virgem. De caçar o tesouro escondido, de procurar o avião da Malásia, de encontrar a areia jamais pisada.
E foi aí, com as esperanças no brasileiro, em mim, no espelho e em vocês, toda essa esperança esfareladíssima; foi aí que eu lembrei da historinha que queria contar lá em cima, no cume deste post, quando ainda não havia um Ipea entre nós.
Ah, meninas. Imaginem a cena que narrarei a seguir. E venham comigo. Façam como eu vou fazer agora: deitem a cuca sobre o travesseiro. E aquietem-se É hora de pensar, de refletir, de reagir. Mas é um reagir interno. É não desanimar. É sonhar. Porque assim, aqui deitados ao lado das nossas profundezas, vamos, enfim, abrir os olhos e mirar o teto. No teto, vocês dirão ver estrelas. E ali, nas estrelas, entre elas, vocês verão a lua. Sim, sim, todo mundo agora, urgente mesmo, no mundo da lua, que é o cenário da nossa historinha.

UMA HISTÓRINHA LUNAR
No século passado, havia um escritor chamado E.B. White.
O nosso E.B. White, em 1969 – como boa parte dos humanos de 1969; e como vocês agora –, num dia especial, botou-se a olhar para o céu. Era julho e, poucos dias antes, o homem dera sua primeira sapateada em solo lunar.
O nosso E.B. White, sendo escritor, deve ter se visto em meio às carradas de papel tingido com palavras, reportagens, artigos, fotos e o escambau sobre o momento em que o homem escapava, enfim, deste pedaço esquisito universo.
O homem na lua, meninas, era toda uma nova esperança. Era um continente inédito, inexplorado, visível e brilhante. Um farolete.
Pois sendo farolete, quando as coisas apertassem aqui, no térreo – e as coisas sempre apertam no térreo –, a simples possibilidade de uma vida na cobertura lunar bastaria para tirar um pouco a tampa e a pressão da nossa panela tão tramontina.
Sim, sim, o nosso E.B. White, diante de um mundo de gente escrevendo banalidades sobre aquele novo mundo, o nosso E.B. White, vivendo naquele planeta de 1969 – um planeta, de resto, bem parecido com este aqui nosso –, um planeta tão cheio de marchas da família, de ditadores de cabelo estranho e de brasileiros do Ipea; pois o nosso E.B. White, fitando a lua, decidiu escapar e redigir uma notinha.
E é com essa notinha, cheia de luz pálida e de luz linda, uma luz que quero deixar aqui acesa, no quarto, pra afastar essa montanha de escuridão que se espalha por todo lado; pois é com essa notinha que eu encerro este post tão lunático, meninas. Pra que a gente não se sinta tão só.
Quando as coisas apertarem aí, meninas – e as coisas estão apertadíssimas -, não desistam: olhem para cima.

O POUSO NA LUA DE E.B. WHITE
“A lua é, no fim das contas, um bom lugar para o homem. Um sexto da gravidade deve ser muito divertido, e quando Armstrong e Aldrin se lançaram à sua animada dancinha, como duas crianças felizes, não foi apenas um momento de triunfo, mas também de alegria. A lua, em compensação, é um lugar ruim para as bandeiras. A nossa parecia dura e esquisita, tentando flutuar na brisa que não sopra. (Deve haver uma lição aí, em algum lugar.) É claro que faz parte da tradição dos exploradores fincar uma bandeira no solo, porém, enquanto assistíamos com reverência, admiração e orgulho, percebemos que nossos dois amigos eram homens universais, e não de uma só pátria, e deviam ter se equipado de acordo. À maneira de todos os grandes rios e mares, a lua pertence a todos e a ninguém. Ainda traz o segredo da loucura, ainda controla as marés que banham as praias de todo o mundo, ainda vigia os amantes que se beijam por toda parte, debaixo de bandeira nenhuma, somente do céu. É uma pena que, em nosso momento de triunfo, não tenhamos renegado a famosa cena de Iwo Jima e, em vez disso, plantado um emblema comum a todos: um lenço branco e frouxo, talvez, símbolo do resfriado que, como a lua, afeta a todos nós”.


J. Antônio

Meu nome é J. Antônio e sou um amador. Jogador de futebol amador, jornalista amador e poeta amador. Frequento duas academias: a de Letras e a do bairro. Na última, convivo e suo ao lado de halteres e halterofilistas amadores. E ao lado de meninas, que brincam de fuzilar gordurinhas, todas lindinhas, molhadas e com calça fusô (minha leitora: é 'fusô' ou 'fuseau' o nome da calça? Eu tenho essa dúvida). Mas dizia que sou poeta e malhador. Aos fins de semana, gosto de correr e comer. Sou bruto e macho, mas sensível. Choro escondido – e ó, se um amigo me perguntar, eu nego. Eu nego! Mas sim. Quando a coisa aperta, quando a vergonha afrouxa, ou quando uma de vocês, mulheres, me machuca, eu choro. É assim desde que nasci. Há 30 anos.

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