quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Consumo de crack pode levar o indivíduo a se tornar criminoso?

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Seguramente, a interface entre o consumo de drogas e as atividades criminosas é tema bastante complexo. Uma das principais complicações advindas do consumo de substâncias psicoativas são os problemas com a justiça. Vários estudos ao redor do mundo têm apontado o relacionamento estreito entre o consumo de álcool e outras drogas com o crime.

Uma das crenças mais comuns no meio “não médico” é de que criminosos, em função do constante descumprimento das regras sociais, acabam por ocupar-se, também, do lucrativo negócio do uso e comércio de substâncias psicoativas. Já no meio médico especializado em dependências químicas, a crença predominante é de que a maioria dos agressores usuários de drogas são, na realidade, indivíduos que fazem uso inadequado de substâncias psicoativas e, em função do abuso ou dependência, envolvem-se em atividades ilícitas das mais variadas. De fato, as duas posturas têm sua razão de ser, mas devem ser avaliadas com bastante cuidado.

Alguns estudos apontam três fatores de conexão entre o consumo de drogas e as atividades criminosas:

a) Os próprios efeitos psicofarmacológicos das substâncias provocariam comportamentos desadaptativos e violentos, o que resultaria em atividades ilícitas;

b) As necessidades econômicas dos usuários conduziriam a atos criminosos por parte do dependente, para sustentar o próprio vício;

c) A própria violência associada ao tráfico e ao mercado de drogas – crime organizado.

A literatura científica tem indicado que os efeitos psicofarmacológicos das drogas, propriamente, não justificam a substancial proporção da violência relacionada ao consumo das substâncias psicoativas. As evidências dessa associação são muito fracas, principalmente quando outros fatores, como os demográficos e os antecedentes pessoais e familiares, são incluídos nas análises como variáveis-controle. Os outros dois fatores de conexão parecem contribuir para a mais significativa associação entre uso de drogas e crime.

De fato, o relacionamento entre o uso de substâncias psicoativas e a violência deve ser considerado dentro de um modelo comportamental complexo. As categorias listadas abaixo identificam os principais fatores atribuídos ao comportamento violento, com especial atenção ao relacionamento droga-crime:

Influência dos antecedentes do delinquente

a) Antecedentes pessoais e familiares: histórias pessoais de abuso físico/sexual, negligência, inadequadas experiências de socialização, agressões durante a infância e adolescência;

b) Antecedentes culturais: valores adquiridos, crenças e normas internalizadas.

Condições recentes

a) Efeitos farmacológicos da droga consumida: prejuízo cognitivo, labilidade emocional, agitação psicomotora, fissura ou “craving”, irritabilidade;

b) Condições sociais: falta de controle social, desorganização familiar, falta de oportunidades de emprego, educação;

c) Condições econômicas: necessidade financeira, falta de recursos financeiros para angariar a droga, dívidas com traficantes;

d) Situacional: ambiente, local de moradia, convivência com outros delinquentes (“vizinhança”).

Apesar da importância dos múltiplos aspectos psicossociais na gênese do crime, o consumo inadequado de álcool e de outras drogas, seguramente, representa importante fator complicador.

O Departamento de Justiça de Washington afirmou, em 1997, que cerca de 33% dos apenados das prisões estaduais e 22% das federais admitiram ter feito uso de drogas no momento das atividades delitivas. O mesmo departamento informou, em 1996, que 16% dos apenados realizaram o crime com o objetivo de obter dinheiro para sustentar o vício. Também, cerca de 62% dos apenados de instituições estaduais e federais registram uso regular de alguma droga antes das suas sentenças.

Estudos apontam que cerca de dois terços das mulheres confinadas em prisões americanas fazem uso de drogas ilícitas. Outros constataram que, entre os condenados usuários de heroína, na Espanha, havia maiores taxas de crimes contra a propriedade (roubos e invasão domicílio) do que entre os apenados não dependentes químicos.

Em função desses dados, tem havido um aumento das solicitações de avaliações psiquiátrico forenses para agressores usuários de drogas, com os seguintes objetivos:

a) realizar uma acurada avaliação do examinando, verificando o diagnóstico deAbuso ou Síndrome de Dependência de substâncias psicoativas, bem como a existência de outro transtorno psiquiátrico co-mórbido;

b) avaliar a necessidade e potencial benefício de um tratamento psiquiátrico ou psicológico.
No Brasil

Em estudo realizado no Brasil com condenados por crimes sexuais violentos, cerca de 40% da amostra estudada apresentam sérios problemas com o consumo de álcool e outras drogas, principalmente maconha e cocaína/crack. Em outro estudo brasileiro envolvendo mulheres condenadas por roubo ou homicídio, a história de consumo de drogas foi mais precoce e a gravidade do abuso de substâncias mais intensa entre aquelas que perpetraram roubos.

Também, evidência científica demonstra que a manutenção do consumo de substâncias psicoativas é um dos mais importantes fatores associados às altas taxas de reincidência criminal.

Perpetradores de crimes violentos, frequentemente, relatam consumo de álcool antes dos atos ilícitos, tais como estupro, roubos, violência doméstica e homicídios.

Pesquisas têm demonstrado que, mesmo quando outras variáveis demográficas (sexo, status socioeconômico, estado marital) e psiquiátricas (traços impulsivos de personalidade) são controladas, o consumo inadequado de bebidas alcoólicas continua fortemente associado com violência física.

Além disso, o álcool etílico também está relacionado à perpetração de 50% de todos os homicídios, a 30% dos suicídios e tentativas de suicídio e à grande maioria dos acidentes fatais de trânsito.

De fato, trata-se de tema bastante complexo. Devido à estreita associação entre o consumo inadequado de substâncias psicoativas com as atividades criminosas, torna-se imperativo o desenvolvimento de propostas racionais para o tratamento médico e psicossocial de pessoas que padeçam desse problema.

O tratamento adequado dos quadros de abuso e dependência de substâncias deve ser disponibilizado dentro e fora do sistema penitenciário, associado com outras formas de re-socialização. A avaliação criteriosa dos dependentes químicos deve ser realizada por profissionais especializados, de tal forma que as abordagens médicas e jurídicas para esses indivíduos sejam justas, sérias e direcionadas à promoção de saúde e bem-estar individual e coletivo.
Abaixo, forneço interessantes referências sobre o tema:
Baltieri DA, de Andrade AG. Drug consumption among sexual offenders against females. Int J Offender Ther Comp Criminol 2008;52(1):62-80.
Alemagno SA. Women in jail: is substance abuse treatment enough? Am J Public Health 2001;91(5):798-800.

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