segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Amor Bandido: mulheres vivem nas portas de presídios à espera de seus amores

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É início de tarde de uma sexta-feira, dia de visita íntima na Penitenciária Estadual de Vila Velha, e faz um calor de 35°. Sentadas na sombra em bancos de cimento, quatro mulheres se divertem. Enquanto aguardam a hora de cruzar o portão de ferro, trocam shorts curtos e blusas decotadas por calças compridas e camisetas largas no banheiro que fica em frente à entrada. Passam batom, pintam os olhos, escovam os cabelos. Os cartazes colados na parede dão conta das regras que a visitante vai encontrar lá dentro. “Proibido o uso de roupa nas cores azul ou preta”, “Proibida roupa decotada, curta ou colada ao corpo”, “Proibida bermuda ou salto alto”...




A vigilante Adriana*, de 26 anos, abre a bolsa e mostra as Havaianas. Faz três anos e sete meses que ela carrega o chinelo de borracha toda sexta-feira quando sai de casa, em São Pedro, Vitória. O ritual é sagrado: encara duas horas de ônibus, troca de roupa no banheiro, faz a maquiagem, passa perfume e fica à espera do horário para encontrar o marido – com quem é casada há 11 anos - preso por tráfico de drogas. “Estive com ele horas antes de ser preso. Me deixou na creche para buscar a nossa filha e disse que voltaria, só que não voltou”, lembra-se do fatídico dia. Foi pela televisão que ela ficou sabendo da prisão. “Fiquei sem chão”.



Quando Adriana pisou pela primeira vez na cadeia, não houve toque, abraços, beijos. Separados por um vidro, houve apenas uma conversa. “Só chorei. Lembro que ele pediu para não abandoná-lo e eu disse que o amava. Falei: ‘Vou com você até o final’”. Ali, ela decidiu que encararia as portas de cadeias por seu amor. No seu currículo estão três penitenciárias. E foi nessas idas e vindas que aprendeu que mulher de bandido é figura de respeito. “A visita é sagrada. Se encontro algum preso pelo caminho, eles viram a cara para a parede. Pela ética deles, mulher de preso não pode ser paquerada por outro preso. Eu sou a mulher do Rodrigo*”.



Adriana já tinha dois filhos quando o marido foi preso. O terceiro, com três meses, foi feito durante uma visita íntima na prisão. “O sexo acontece num quartinho com cama de cimento e banheiro. Quando entramos vamos direto para esse local. São duas horas de prazer”. Nesses três anos ela só faltou três vezes à visita. “O dia que não tenho dinheiro, tenho que me virar. Ele não entende quando não dá pra vir”. Ela se vira, mas não falta. “Ele foi meu primeiro homem. Não consigo ficar com outros, parece que estou de pés e mãos amarrados”, conta, antes de declarar: “Só vem parar em porta de cadeia quem ama. O resto abandona, porque não aguenta a pressão”.



Casamento na cadeia



A auxiliar administrativa Lúcia*, de 40 anos, é uma das poucas a chegar de carro para a visita, com vestido estampado longo, cabelos soltos e sacola de plástico na mão. “É o lençol, toalha de banho e sabonete que carrego”. O marido foi condenado a 12 anos. Já cumpriu cinco. “Você não imagina o que já passei”, diz. De uma cadeia para outra, Lúcia acabou se acostumando aos hábitos de cada uma, até a uma minuciosa revista. “Passava nua no detector de metal, de frente, de lado, de costas. Isso tudo depois de ter ficado de quatro na frente de cinco mulheres. Era constrangedor”, lembra.
As primeiras visitas íntimas aconteceram na própria cela. “Você tinha que fazer sexo quase que na frente de todo mundo. Pendurava um lençol e aumentava o volume do rádio para abafar os gemidos. Era muito difícil”. Foram tantas transferências do parceiro que ela fez amizades com mulheres de condenados de todo o tipo, como ela própria, namorada de um condenado por tráfico de drogas. “Morávamos juntos e sabia do envolvimento dele. Dava conselhos, mas ele vivia em outro mundo. Não deu outra”.



Divulgação
São cinco anos em porta de prisão, sem faltar a uma única visita. “A primeira vez que pisei na cadeia foi uma sensação horrorosa, algo que jamais tinha imaginado viver. Por anos cheguei de madrugada, enfrentei filas enormes de mulheres e familiares. Só com muito amor para enfrentar tudo isso. O sofrimento é grande e a discriminação também. Já perdi alguns empregos por causa disso, sou julgada o tempo todo, até pelos familiares. Mas é dele que eu gosto”.


Lúcia chegou a trocar muitas cartas com o seu companheiro. “Ele escrevia declarações de amor para mim, abria o coração. Eu também escrevia, a maioria era dando força e dizendo que iria esperar o tempo que fosse necessário. Tudo era lido pelas assistentes sociais antes de chegar em nossas mãos”, lembra.



Lúcia tem esperado, mas como ele sempre teve muito medo de ser abandonado - até porque existem outros processos que ainda vão a júri, e pode haver mais condenação – ela decidiu casar. “Ele saiu da cadeia, fomos até o cartório e regularizamos nossa situação. No começo ele não queria casar porque achava que estava prejudicando a minha vida lá fora. Mas agora está mais seguro”.



Pequeno Dicionário Amoroso



Conheça o código do romance atrás das grades:



Correspondente: quem troca cartas com os presos.



Interditar: não permitir que a ex-companheira se relacione com outro bandido.



Mulher firmeza: companheira que não falta às visitas semanais.



Talarico: homem que paquera a mulher do outro.



Ratinho: fazer sexo em local tampado apenas por um lençol.



Amor inesperado



Era um domingo de verão de 2005. Ana* foi ao presídio acompanhando uma amiga que visitaria o namorado. Era chegar, visitar e voltar para casa. Só que na vida, nem sempre tudo acontece como programado. Naquela manhã ela se apaixonou pelo preso da cela ao lado, um homem branco, cabelos curtos, olhos claros e condenado a 20 anos por latrocínio (roubo seguido de morte). Sem medo do passado dele, o romance, tipo folhetim, engrenou. “Tem coisas na vida que a gente não escolhe, apenas acontece. Aconteceu comigo e, desde então, passei a ser mulher de porta de cadeia”, conta ela, que não quis entrar em detalhes de sua história.



Assim como Ana, muitas mulheres preferem não se expor. A maioria disse que não daria entrevista. “Por que falar para o jornal se a gente será julgada? É isso que acontece o tempo todo”, diz uma linda jovem - de cabelos loiros, aparelho nos dentes e aparentando ter 23 anos – enquanto aguardava o ônibus para a Serra. “Se ele era meu parceiro aqui fora, porque iria abandoná-lo?”, questiona.



A psicóloga Patrícia Rocco explica que o fato das mulheres serem fiéis a seus parceiros é uma questão cultural. “O papel da doação e da compreensão sempre foi da mulher. Ela é a mantenedora e o seu papel é cuidar da relação e do bem-estar do marido. Por isso essas mulheres não abandonam seus companheiros, o amor que elas têm por eles e nem a crença de que eles mereçam outra chance”, explica. Atualmente o sistema penitenciário capixaba tem 15.691 presos, sendo que 7.155 são condenados e possuem o direito da visita íntima. De acordo com Eugênio Coutinho Ricas, subsecretário para assuntos do Sistema Penal, as visitas sociais e íntimas acontecem para a ressocialização do preso. “Elas ocorrem em salas, que existem desde 2007, para assegurar a privacidade do detento e de sua parceira”.



Experiência da vida



“A tragédia da vida de meu marido foi estar na hora errada, no lugar errado. Dizem que ele matou dois adolescentes que estavam roubando, mas é mentira. Ele foi ajudar uma pessoa que estava sendo assaltada por esses menores a recuperar os documentos. No outro dia os meninos aparecem mortos. Aí começou o nosso sofrimento”.



O drama da professora Antônia*, de 55 anos, já dura seis anos. Mesmo julgado e condenado, ela acredita na inocência de seu amor bandido. O que mais a perturbava não era o crime, mas o tempo da condenação: 38 anos. “Nunca o julguei. Em todos os momentos estive do lado dele. A primeira vez que pisei numa cadeia eu chorei muito. Mas é a vida e nela você passa por tudo”.



Com 30 anos de casados, três filhos, ambos com curso superior, ela nunca pensou em abandoná-lo. “São seis anos frequentando porta de cadeia. E mesmo com tanto tempo as visitas não são menos doloridas. Dói do mesmo jeito da primeira vez”. Desde então, Antônia também é uma prisioneira. “Nunca mais tive uma sexta-feira e um domingo (dias de visitas) normais. Meu marido sabe do meu sofrimento. Ele é muito forte para aguentar o que está suportando na idade dele, aos 55 anos”. Para apaziguar o sofrimento, ela já mandou várias cartas, e pensou até em suicídio. Vive às voltas sonhando com o dia que o marido ganhará a liberdade. Enquanto isso não acontece, a cada 15 dias, todas as tardes de sexta-feira, ela atravessa aquele portão de ferro. "Vou ver o amor da minha vida”.



Loucas de amor



As histórias de mulheres que se apaixonaram por bandido sempre causaram curiosidade. O Maníaco do Parque, apelido dado a Francisco de Assis Pereira, acusado de 10 mortes e 11 ataques sexuais, era um dos campeões de recebimento de cartas amorosas no presídio em que cumpre os primeiros dos 274 anos de prisão aos quais foi condenado. Impressionado com os números, o jornalista Gilmar Rodrigues escreveu “Loucas de Amor - mulheres que amam serial-killers e criminosos sexuais”, onde conta histórias dessas mulheres iludidas e até as transcrições de cartas. Segundo o autor, existem vários tipos de mulheres – desde as muito pobres até as universitárias, de classe média e bonitas. Na maioria das vezes, são mulheres que nunca tiveram bons relacionamentos, sofreram abandono na infância ou abuso sexual, não tiveram amor e carinho dos pais, têm baixa autoestima e uma visão romântica e infantilizada do amor.



*Os nomes são fictícios para preservar as personagens e seus companheiros



gazetaonline

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