quarta-feira, 2 de maio de 2012

Emoções dolorosas

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Muitas vezes a vida nos deixa atrapalhados. Surge raiva, tristeza, fúria ou medo. A nora que fez malcriação sem motivo. A infidelidade do sócio que garfou um naco do capital gerado com luta por alguém. Um caso de amor acaba sem aviso prévio e nos deixa ao relento do afeto. O emprego que não aparece. A fratura num osso ou na casa destruída pela inundação. Motivos não faltam.

Fazer o quê? Não penso agora em medidas práticas, estas são óbvias, menos sutis. O que me preocupa são os sentimentos, os estados de alma que nem sempre conseguimos reconhecer, dar nome aos bois. Não é todo mundo que cresce sabendo identificar o que sente e as razões desse sentir. Muito menos está habilitado pra lidar com tão complexo material, e transformá-lo em algo que favoreça o crescimento, a aprendizagem, um raro tipo de bem-estar.

A obrigação do bem-estar e suas precárias soluções

A sociedade ocidental contemporânea freneticamente enaltece o bem-star a qualquer preço, e aí se enraíza um tremendo problema. Se alguém está nervoso, que tal um comprimidinho de calmante, tão generosamente cedido pela amiga? Por que não começar a noitada com o “esquenta” na casa de alguém? Quem chega alcoolizado à festa escapa de sentir vergonha, se joga mais cedo na pista, paquera mais. Quem já não espantou o tédio ou a tristeza fazendo compras no shopping center favorito? Insônia é um fantasma, e hipnóticos devem dar cabo dos olhos arregalados no meio da noite.

Nesse sentido, parece que muitas práticas culturais existem com o propósito de eliminar de modo falsamente eficaz os sentimentos indesejados. Um calmante tem vida curta e, cessado seu efeito, como estarão o sujeito e o problema que o enervou? Quem se embriaga na festa pode acordar ao lado de alguém totalmente esquisito, cujo nome desconhece e preferirá não saber. Ou pior, pode não acordar, já que seu carro capotou na estrada e a vida foi ao fim. Compras indevidas representam gastos fora de esquadro. E, além do mais, trazem um bem-estar efervescente, rápido e escorregadio. Uma noite de insônia não é mesmo bom, mas começar o dia com efeito residual de hipnóticos pode ser horrível.

Um outro jeito

A falecida atriz Henriqueta Brieba (lembram dela, em idade avançada, miúda, atuando com Jô Soares?) numa entrevista contou que aproveitava a insônia para tricotar e assistir filmes de terror com Bela Lugosi. Será que um banho relaxante, ao som do compositor favorito, seguido por uma massagem e uma xícara de chá de maçã não substituiriam a loucura das compras?

Algumas dores talvez precisem ser acolhidas, tratadas a pão de ló. Se a gente não fugir delas, teremos a chance de conhecer mais nosso próprio funcionamento, suavemente, conseguiremos destrinchar as circunstâncias, aprender algo sobre elas e sobre nós mesmos. Escapadas imediatistas nos distanciam do autoconhecimento.

A resiliência, a capacidade de nos refazermos depois de um baque, depende de tolerarmos as frustrações, de conseguirmos assimilar os fatos, de encontrar as alternativas possíveis, negociando com a vida e refazendo nosso caminho. Aceitar as emoções, sem fugir delas, requer um compromisso com as coisas mais essenciais da vida, e desse compromisso não fazem parte as soluções tipo sopa instantânea.

Viver na plenitude parece mais com fazer doce no tacho. Cozimento vagaroso, sábio manejo do fogo, dedicação com a colher de pau, e assim depois se desfrutará da compota, com o orgulho parecido com o de quem peitou a adversidade e chegou aonde queria, ou próximo desse lugar.

Se a festa não tem graça, pra que beber para conseguir estar nela? Faça uma festa sozinho, a dois ou em grupo. Na mais absoluta sobriedade. Mas que seja uma festa boa de verdade, pelo sorriso dos amigos, as piadas que cada um sabe contar, as delícias a se degustar, a sensualidade da dança, a vibe da playlist escolhida. Sinta cada dimensão da festa. Sons, cheiros, texturas, movimentos, toques, presenças e ausências. Esteja nela por inteiro, sem aditivos, munido com muita disposição interna e uma postura de atenção plena. 

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