Não podemos não sentir dor, é uma condição humana. No processo evolutivo funciona como uma forma avançada de sobrevivência. A dor física permite-nos identificar a grande maioria das coisas que nos podem causar dano imediato, ou servir de alerta para algo no nosso organismo que precisa de cuidados e atenção. No que respeita à dor emocional, poderemos dizer que se assemelha às funções da dor física. Funciona como um alerta de que algo na nossa vida não está acontecendo como desejamos, ou que estamos insatisfeitos face a algo ou a alguém. Entre o estímulo que provoca dor emocional e a forma como respondemos à nossa percepção criada, reside a nossa oportunidade de resposta. Isto quer dizer que perante o sentimento de dor emocional (que pode ser pontual e transitório), não temos necessariamente que transformá-lo em sofrimento. A forma como respondemos à dor emocional, o enquadramento e atitude que decidimos ter, pode conduzir-nos à vitimização e consequente sofrimento, ou à capacitação e consequente conforto e bem-estar.
Viktor- Frankl escreveu sobre os impactos psicológicos da vida como um prisioneiro nos campos de concentração nazis da Segunda Guerra Mundial. A sua mãe, pai, irmão e esposa grávida foram mortos nos campos. Dr. Frankl descreve em detalhes arrepiantes sobre a forma como os seus captores lhe tomaram quase tudo o que era significativo, incluindo a sua dignidade humana básica. A única coisa que os nazis não foram capazes de tirar foi a sua escolha quanto à forma de responder à privação, degradação e trauma a que ele foi submetido. Ele tomou uma decisão consciente para concentrar as suas energias em “utilizar” a seu favor o curto espaço de tempo, mas muito importante, entre o estímulo (o que fosse dito ou feito para ele) e a sua resposta a isso. A sua capacidade de manter esse grau de autonomia psicológica e autorregulação emocional nas circunstâncias mais terríveis que se possa imaginar, fornece um exemplo notável de força emocional sob extrema pressão, o poder de escolha pessoal, e a serenidade na ação.

DOR FÍSICA E DOR EMOCIONAL

A dor física tem componentes biológicos e psicológicos distintos que efetivamente representam o estímulo e a resposta. A biologia da dor é o sinal transmitido através do sistema nervoso central que “algo está errado.” A psicologia da dor é a interpretação ou o significado que damos a esse sinal de dor, o discurso interno e crenças internas sobre o assunto, que, em seguida, dirige as nossas reações emocionais. O sofrimento resulta de respostas psicológicas e emocionais à dor. As facetas biológicas e psicológicas da dor combinam-se para orientar a grande maioria dos nossos recursos internos para a detecção do perigo (real ou imaginado), fazendo soar um alarme continuo e angustiante que fornece a matéria prima para o sofrimento.
sofrimento
A recuperação ou superação da dor emocional pode ser alcançado através da distinção consciente entre a dor real e o sofrimento que esta causa, focando-se em recursos pessoais que permitam a obtenção de alívio do sofrimento. A dor é inevitável, o sofrimento não. O sofrimento instala-se em resposta a pensamentos como: “Por que eu? Não é justo. Isto é horrível. Eu não aguento mais.” Com este tipo de declarações a pessoa vê-se destituída de controle sobre o seu estado. Fica com uma percepção de ausência de capacidade de resposta que possa trazer alívio.
O sofrimento, em geral, bem como o específico, como o sofrimento emocional ou a dor crônica, é uma função de desequilíbrios no funcionamento físico, mental, emocional e / ou espiritual. Porque tudo o que afeta a mente ou o corpo irá inevitavelmente afetar a oura parte, independentemente de qual lado é originado. Desequilíbrios no pensamento podem criar desequilíbrios no funcionamento físico, emocional e espiritual. A recuperação do sofrimento gira em torno de progressivamente e continuamente restabelecer o equilíbrio nessas áreas.
O sofrimento é tanto uma causa como um efeito dos pensamentos catastróficos e emoções perturbadoras associadas ao sentimento de dor emocional: ansiedade, irritabilidade, raiva, medo,depressão, frustração, culpa, vergonha, solidão, desespero, decepção, desesperança. O pensamento negativo só contribui para analisarmos as situações difíceis, ainda pior. Muitas pessoas, inclusive aquelas que não estão afetadas cronicamente pela dor emocional, prejudicam-se quando continuamente ficam repetindo nas suas mentes os aspetos negativos daquilo que provoca dor. Os nossos pensamentos negativos têm a capacidade de nos fazer infelizes, podendo ser especialmente traiçoeiros, alimentando-se de um padrão mental negativo que promove profecias autorealizáveis e autodestrutivas.

ALÍVIO DO SOFRIMENTO
O sofrimento pode ser aliviado quando as pessoas se tornam conscientes da sua reação na presença da dor emocional. Para evitar ou diminuir a probabilidade da dor emocional se tornar em sofrimento, tem de aprender-se a responder de forma construtiva a essa mesma dor. O processo de recuperação ou evitamento do sofrimento pode ser conseguido através da aplicação de estratégias de aceitação e práticas baseadas na mindfulness (atenção plena). Restabelecer o equilíbrio emocional perante um acontecimento que nos gera dor emocional implica ganhar consciência de todo o processo que conduz ao sofrimento, para, pouco a pouco, ir implementando uma forma mais saudável de lidar com a dor.
Importa tomar consciência do pensamento negativo e do discurso interno que começam a ser ativados, para que nesse exato momento se aceite a experiência de dor emocional e se acione o processo de desapego da mesma. A ideia de desapego aqui, pode ser melhor compreendida, se perceber que na presença de dor emocional você é maior que essa dor. Que você não se resume aquele acontecimento. Na verdade, na presença de dor emocional, você continua a ter imensas capacidades e recursos, os quais pode acionar e focar-se para lhe darem algum conforto e ânimo, no sentido de perceber que nesse momento continuam a existir imensas coisas boas das quais pode usufruir e servirem como ajuda, para que a situação em que se encontra possa ser melhorada ou mais facilmente suportada.
Este processo é fácil de ser aprendido e praticado? Claro que não. Todavia, é absolutamente possível. Ao ajustar o nosso pensamento, e a forma como pensamos acerca dos pensamentos que temos na presença da dor emocional, podemos mudar as nossas respostas emocionais, a intensidade daquilo que sofremos (ou não), o nosso nível de tensão e estresse, e, por sua vez, a nossa experiência de dor.
Miguel Lucas